A minha primeira paixão foi tão grande, como a grande paciência que a minha mãe tinha para “a” arrumar quando se deparava com “ela” espalhada pelo quarto. Desde pequeno que sou amante de brinquedos, quando era mais novo era fascinado por uns de cara simpática que mesmo a caírem de alturas vertiginosas, a serem atirados à parede com “força máxima” ou a “morrerem” afogados numa banheira cheia de água, a mantinham independentemente destas intempéries. Estes pequenos senhores de cara simpática denominam-se Playmobil, personagens míticas da infância de muitos e também da vida adulta de outros tantos. Não sei bem dizer qual foi o meu primeiro Playmobil, lembro-me sim e já com capacidade de memória, dum enorme caixote onde os guardava, como se fosse uma caixa do tesouro, cheio destes personagens e todos os seus acessórios. De todos os conjuntos que tive o que mais me marcou foi o Circo Romani, tinha de tudo, trapezistas, mágicos, um apresentador com uma camisa cheia de estrelas, uma enorme estrutura circular… pode-se dizer que era um autêntico Cirque du Soleil, tal era a magia que transbordava.

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Eu era apaixonado pelo mundo Playmobil, todos aqueles conjuntos criados ao longo do tempo, faziam a minha imaginação delirar. Recordo-me daqueles saudosos spots televisivos das épocas natalícias, onde os senhores de cara simpática emergiam na caixa mágica e diziam num tom autoritário, “Compra-me” e eu com medo corria para a minha mãe e dizia, “Já sei o que quero pelo natal”, depois com a chegada da noite do nascimento do menino jesus, com ela, lá vinha um conjunto Playmobil igual aqueles da televisão, sabia que pelo menos esse natal ia passar com a minha família e não seria preso pelos polícias Playmobil.

Esta paixão foi crescendo, o caixote já era pequeno para tanto Playmobil e a minha mãe já fazia queixas pela carteira. Foi então que esta paixão coincidiu com a que tive pela neta da minha vizinha. Tal como com o Circo Romani, foi arrebatadora, era moço pequeno, tinha uns 9 anos, mas deve ter sido a primeira vez que senti realmente as borboletas na barriga. Ela tinha 10 anos, cara simpática como as senhoras Playmobil, só que não dava para atirar às paredes e não permitia beijos fáceis. Sempre que ela ia lá a casa brincava comigo, obviamente que “fazia” a história de forma a que ela fosse minha namorada, tínhamos dois filhos, um cabriolet vermelho e claro, vivíamos no circo.

Um dia decidi que íamos casar, ela foi lá a casa, eu até falei com um amigo meu para representar a figura do padre Playmobil. Tinha estado a orientar tudo antes da chegada dela, criei um palco no circo, uma plateia cheia, o padre a fazer de vela, tudo perfeito, o evento deu-se e lá casámos, fiquei contente, porque, nem que fosse por brincadeira, tinha criado uma ligação com ela. IMGP8269b

No fim do dia, ao ir embora, ela disse “tenho de ir, depois falamos e olha, faltou uma coisa, mas não te vou dizer o quê”, dito isto ela lá foi. Fiquei a remexer o assunto e nada, não sabia o que tinha falhado, pior que isso, eu só a via ao fim de semana, tive uma semana de aulas terrível, sem saber o que era, com 9 anos aquilo parecia um problema gigante. Com o passar da semana depois de muito pensar, lá descobri o que tinha faltado, o raio do beijo no fim do casamento, e no fim de semana seguinte lá confirmei que tinha sido isso mesmo. Com o erro cometido, já não havia volta a dar, aquela porta não se tornou real, ainda por cima eu ia mudar de casa e as “brincadeiras” não se iam repetir, foi mesmo uma machada e na altura um vazio enorme.

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E é assim que a minha primeira paixão se torna o mote para a idiotice de hoje, foi uma história longa, eu sei, por isso peço desculpa, mas tinha de dar encanto e tragédia à coisa.

Este episódio do beijo fez com que o “meu amor” pela Playmobil se desvanece-se, não sei se pela idade também, pela perda interesse ou se deixou de me cativar, sei que hoje ao pensar em Playmobil a chama não é a mesma. Hoje também com outros olhos consigo explicar o irracional da altura, a Playmobil “desistiu” e acordou demasiado tarde para a realidade de mercado. Tudo se passou no fim dos anos noventa, a Playmobil era uma das grandes marcas de brinquedos e tinha uma confortável liderança em certas faixas etárias, estava “habituada” a ter receitas consideráveis e mantinha o público fiel à marca, mas também foi ao entrar nos anos 2000 que, na minha opinião, começou a “cair” e não deu conta.

Comparando com outra Marca fabricante de brinquedos, e que tudo se assemelha ao conceito Playmobil, a Lego3abd8f6e02d9a219b32d8180d8459c90.w996.h290._CR8,0,980,290_

que na altura estava a entrar em falência, teve um twist e entrou numa espiral de grandes lucros e a crescer de ano para ano. Entre 2000 e 2004, assistiu-se a um Case-Study bem actual, que explica como uma grande estratégia de marketing e de saber dar a mão à palmatória permitiram uma reviravolta na politica da Marca Lego.

A Lego, tinha chegado ao ponto onde a inovação se tornou um problema, tinham parques temáticos, videojogos, vários sets com diversos temas, mas faltava o essencial, fixar-se com firmeza no público. Os criadores da marca não perceberam que o público queria que essa inovação fosse nos temas básicos, isto é, podiam fazer novos sets/conjuntos e lançar novos bricks (peças), mas que estes fossem também lançados nos sets antigos, aqueles que fizeram crescer a Marca, essencialmente, voltar ao original, “Back to Basics“.

Assim, todos os anos, os sets básicos, caso do Lego City, Lego Castle, Lego Duplo, entre outros, vão sendo apetrechados com novos conjuntos, bem como, com reedições de conjuntos antigos dos mesmos. Por sua vez, a Lego começou a comprar direitos sobre franquias como, Star Wars, Harry Potter, Lord of the Rings, Marvel, DC-Comics, etc, conseguindo um crescimento que, como referido, se tornou recentemente Case-Study, porque de uma fase de quase falência, se torna numa das marcas mais poderosas do mundo. A Apple dos brinquedos.

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Por outro lado, e como ilustra a imagem em destaque, a Playmobil viu-se de mãos atadas, cercada, impotente para reverter a situação perante tal crescimento, foi tentando acompanhar a Lego em certos conjuntos, lançando mesmo uma linha de personagens promocionais como a Lego, mas sempre com limitações na criatividade, porque esse é o segredo da Lego, “É para construir”, porque de um simples tijolo podem vir mil e uma construções. Resta à Playmobil, a facilidade com se monta os seus conjuntos, a cara simpática das suas personagens e histórias como a minha. Referir ainda que a Playmobil prefere manter-se fiel à “sua” tradição do que obter direitos de franquias, segue a sua linha de criação e vai lançando conjuntos no mercado mediante o seu público. Para os mais curiosos deixo aqui, esta página de Tumblr que espelha bem a realidade destas duas marcas.

  P.S – Escusado será dizer que a minha paixão agora é outra, e sou eu que sofro da carteira, porque a Lego tornou-se um vício caro. 

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